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segunda-feira, 23 de maio de 2011


A joaninha amarela


Ilustração: Tácia Soares


            Laura era uma joaninha alegre, amarela de bolinhas pretas. Ela vivia com sua família em uma casinha bem singela e pequenininha, como basta para uma família de joaninhas, alojados em uma folha de boldo.

            Laurinha, como era conhecida por seus amigos, passava seu dia a voar, pousando em flores bonitas e coloridas, passeando pelas árvores e alcançando até lá no alto, de onde conseguia ver o céu. Ela tinha amigos, entre eles outras joaninhas, mas costumava brincar mais com uma borboleta laranja e preta, que se chamava Helena.

            Porém, Laurinha, assim como Helena, foi crescendo, e, um belo dia, seus pais as chamaram para uma conversa, cada uma em sua casa. E, nessa conversa, as meninas foram informadas de que, a partir do mês seguinte, passariam a frequentar a escola.

            No início, elas não souberam o que pensar. Será que escola era algo bom ou ruim? Mas, seus pais, unanimemente, disseram que a escola era incrível, onde encontrariam amigos para toda a vida, conhecimento, diversão... Diante de tantas promessas, tanto Laura quanto Helena se empolgaram, e não viam a hora de começarem os estudos. Seu único pesar era se separarem, pois Laurinha iria para a escola das joaninhas, e Helena para a escola das borboletas; porém, a escola era apenas meio período, por isso teriam a tarde toda para suas brincadeiras juntas.

            Laurinha passou então aquele mês na maior expectativa. Imaginava a escola como um lugar fantástico, repleto de flores, com várias outras joaninhas se divertindo ao sol. Chegou, enfim, o dia. Sua mãe lhe entregou uma maletinha com folhas e um graveto para escrever. Havia também um lanchinho, um punhado de pólen de girassol. E seguiram para a escola.

            Durante o caminho, Laura fazia perguntas a sua mãe sobre o que iriam ensinar no primeiro dia, quem seria a professora, quantos alunos haveria por classe... Inúmeras perguntas que sua mãe respondia o melhor que podia, de forma a deixar sua filha ainda mais feliz.

            Enfim, chegaram. A escola ficava no topo de um tronco cortado. A mamãe joaninha encontrou a professora, Madame Joana, e recomendou-lhe a filha.

            - Oh, oh, claro, senhorita Laurinha, ansiosa para seu primeiro dia, querida? – perguntou a professora, sorrindo. Laurinha fez que sim com a cabeça, também com um sorriso tímido, e encolheu-se atrás da asa de sua mãe. Mas, nesse instante, fez-se ouvir o canto do senhor Grilo, que era o sinal do começo das aulas. A menina se despediu então rapidamente da mãe, com um ligeiro temor, e foi levada por Madame Joana pela mão.

            Madame Joana a acompanhou até um grupo de joaninhas em um lado do tronco, correspondente à classe do primeiro ano. Chegando lá, ela disse:

            - Vá, Laurinha! Esses são seus coleguinhas. Divirta-se!

            Laurinha foi devagarzinho se aproximando do grupo, arranjou um lugarzinho, depositou sua maletinha no chão e ficou à espera. Logo, a professora iniciou a aula:

            - Bom-dia, minhas joaninhas! Eu sou Madame Joana, e serei a professora de vocês neste primeiro ano de escola. Que felicidade! Sei que vocês devem estar muito empolgados e ansiosos para tudo o que irão aprender e conhecer. Primeiramente, vamos nos apresentar uns aos outros? Eu já lhes disse meu nome; gostaria agora de ouvir os seus. Vamos lá!

            E assim, joaninha por joaninha, cada um foi dizendo seu nome, de onde vinha, quem eram seus pais... E Madame Joana, a cada nova apresentação, abria espaço para os coleguinhas fazerem perguntas; afinal, às vezes é seu próprio vizinho que está do seu lado e você não sabe, dizia ela.

            Por fim, chegou a vez de Laurinha. Ela disse seu nome, seu endereço, quem era sua família. Quando terminou, Madame Joana a cumprimentou:

            - Seja bem-vinda, Laurinha. Alguém tem alguma pergunta para a coleguinha?

            Então, uma joaninha que havia dito chamar-se Juju, moradora das araucárias do alto da montanha, levantou a mão, e imediatamente Madame Joana aprovou o gesto:

            - Diga, diga, Juju, pode perguntar!

            E Juju, assim, perguntou a Laurinha:

            - Por que você é amarela?

            A princípio, Laura não entendeu. Como assim, amarela? Nunca pensara no caso. Mas então, olhando a seu redor, Laurinha notou que todas as outras joaninhas da classe eram vermelhas com bolinhas pretas. E só ela era amarela com bolinhas pretas! Ai, ai, ai!

            Naquele momento, o mundo acabou para Laurinha. Como nunca percebera isso! Ela era amarela! E todas as outras joaninhas eram vermelhas! Que tragédia!

Ilustração: Guilherme Arruda


            A menina nem conseguiu prestar atenção às palavras de Madame Joana, que explicou que todas as joaninhas são diferentes de alguma maneira, e ao mesmo tempo são todas joaninhas, não importando serem vermelhas ou amarelas. Para ela, tudo de mais importante no momento era justamente sua casca amarela.

            O dia foi uma tristeza para Laurinha. Apesar de suas colegas joaninhas serem simpáticas, nada tirava de sua cabeça aquela diferença intransponível.

            Chegou em casa arrasada. Seus pais não entenderam nada, e pensaram que eram apenas os efeitos de uma mudança brusca em sua vida. Mas era mais que isso. Laurinha, depois do almoço, voou para o alto de uma árvore e chorou escondida. Chorou por muito tempo, sem esperanças.

            Até que, de repente, alguém lhe cutucou o ombro. Laurinha se virou assustada, e viu um pássaro todo preto, com o bico branco, diferente, como nunca havia visto antes.

            - Olá! – disse o pássaro. – Você parece bem triste. Posso ajudar?

            - Buáááá!!! – respondeu Laurinha. O pássaro ficou assustado.

            - Menina, por que chora assim? O dia está tão lindo, veja o céu, como está azul. Não vale a pena chorar num dia desses!

            Mas a joaninha estava inconsolável. O pássaro tentou mais uma vez:

            - Vamos, vamos, me diga então qual o problema! Tenho certeza de que posso ajudá-la. Você brigou com seu irmão, é isso? Ou fez uma travessura e seus pais a colocaram de castigo?

            A tudo Laurinha fazia que não com a cabeça. O pássaro, quase desistindo, suplicou:

            - Mas então, por favor, minha joaninha, me diga qual o motivo que tanto a faz chorar!

            E Laura, percebendo que o pássaro realmente procurava consolá-la, confiou nele e confessou:

            - Eu choro, senhor Pássaro, porque todas as joaninhas de minha classe são vermelhas com bolinhas pretas. E eu... Eu sou... Amarela! – e desandou a chorar novamente.

            O pássaro ficou por um instante quieto, apenas dando tapinhas de consolo nas costas da joaninha. Passados alguns minutos, tornou a falar:

            - Minha querida, qual seu nome, mesmo?

            - Laurinha... – respondeu ela, entre soluços.

            - Pois bem, Laurinha. Minha querida Laurinha, você sabe o que eu sou?

            A joaninha parou de chorar um momento, pega de surpresa. Realmente, ela, que tanto andava por aí e conhecia todos os animais, não sabia dizer que pássaro era seu novo amigo.

            - Não – respondeu ela, em um fiapo de voz.

            - Pois é. Você não sabe. E, no entanto, já viu inúmeros outros pássaros iguais a mim. Eu, minha querida joaninha amarela, sou um corvo. Um corvo com o bico branco.

            Laurinha ficou chocada. Corvo com o bico branco? Nunca vira isso antes! Que estranho! Como assim? Corvos eram todos pretos, até o bico. Que história era essa de bico branco?

            Nesse momento, o pássaro começou a rir, pois percebia a confusão de Laurinha.

            - É, aposto que você nunca ouviu falar em corvos de bicos brancos, certo, Laurinha? Mas é isso que sou, e meu nome é Cacá. E gostaria de levá-la a um lugar muito legal, do qual eu tenho certeza que irá gostar. Concorda? Não é longe.

            Laurinha ficou um pouco desconfiada, mas concordou. Cacá deu impulso e saiu voando, e a joaninha foi atrás, procurando acompanhar o voo rápido do corvo.

            Os dois voaram por entre as árvores, desviaram de muitos galhos, cipós, folhas. Passaram até por cima de um rio. De repente, Cacá começou a diminuir a velocidade e a descer. Desceu, desceu, até que pousou no chão, e olhou para trás para ver se Laurinha estava em seu encalço. Logo depois ela pousou com suas patinhas próximo ao corvo.

            - Chegamos, Laurinha. – E, mostrando um espaço circular entre algumas pedras, aparentemente dispostas propositalmente ali: – Este é o Clube dos Amigos.

            A joaninha olhou para aquele círculo e não entendeu nada. Clube dos Amigos? Mas Cacá a interrompeu:

            - Aposto que você está imaginando, se este é o Clube dos Amigos, onde estão os amigos? Mas eu te digo, você não perde por esperar.

            Como se Cacá tivesse pronunciado a palavra mágica, um farfalhar de folhas se fez ouvir, e um vulto cinza se desenhou por trás dos arbustos. Laurinha apertou os olhos, tentando enxergar o que era, e viu sair de lá, aos poucos tomando forma, uma raposa. Uma raposa cinza.

            - Olá, Pedro. Tudo bem? – cumprimentou-a Cacá.

            - Olá, Cacá. Como vai? – respondeu a raposa, mal tomando conhecimento de Laurinha. Mas Cacá logo a fez notar.

            - Pedro, gostaria que conhecesse Laurinha, a joaninha amarela, nossa nova integrante. Laurinha, esse é Pedro, a raposa cinza.

            Laurinha lançou um olhar de medo em direção a Pedro. Mas a raposa foi tão simpática em sua resposta, que ela perdeu qualquer reserva.

            - Olá, Laurinha, seja bem-vinda!

            - Obrigada... – respondeu a joaninha timidamente. Cacá continuou a conversa:

            - E onde está Clara? Ela já deveria estar aqui.

            Nesse instante ouviram uma voz vinda do alto:

            - Estou aqui, Cacá, que impaciência!

            Baixando de folha em folha, surgiu no círculo uma lagarta branca.

            - Eis-me! – disse ela, dando risada. E, reparando imediatamente em Laurinha: - Oh, mas o que temos aqui? Uma nova integrante?

            - Sim, - respondeu Cacá – é Laurinha, nossa mais nova amiga.

            - Seja bem-vinda, Laurinha! Você vai se divertir bastante em nosso grupo!

            A joaninha, diante de acolhida tão amigável, foi se soltando aos poucos. Tomou coragem para fazer uma pergunta.

            - Já estão todos os integrantes do grupo aqui?

            - Ainda não! – respondeu Clara. – Falta mais uma de nossas amigas, Lúcia. Ela sempre chega atrasada...

            E aí ouviram um rugido assustador, que arrepiou as antenas de Laurinha. Ela já se preparava para voar para longe, a se proteger, quando Cacá disse:

            - Ah, aí está ela!

            E, no instante em que falou, uma grande pantera negra surgiu no círculo, escura como a noite.

            - Grauurrrrr!!!! – fez ela, a se espreguiçar. – Desculpem-me, meus amigos, mas estava tirando um cochilo e perdi a hora. Como estão?

            Todos responderam que estavam bem, e mais uma vez Laurinha foi apresentada ao último membro do grupo. Agora que o Clube estava completo, a joaninha perguntou:

            - Mas, afinal, para quê serve este clube?

            - Este clube, querida joaninha, - respondeu Cacá, o mais falante do grupo – foi criado por bichos que se sentiam diferentes dos outros por algum motivo, e precisavam de companhias que não os fizessem se sentir estranhos. Eu comecei o grupo com Clara, e aos poucos os demais foram se juntando a nós.

            “Você não percebeu, desde o início, que cada um de nós tem uma característica peculiar? Eu sou um corvo, mas não um simples corvo: sou um corvo com o bico branco! Quer coisa mais peculiar que isso? Pedro, enquanto a maioria das raposas é vermelha... É uma raposa cinza! Clara também, quantas lagartas brancas você já viu na vida? Eu, até encontrá-la, só conhecia lagartas verdes. E Lúcia? Em meio a tantas onças pintadas, ela nasce uma pantera inteira preta!”

            - Sim, - concordou Lúcia – sem nem ao menos uma pinta...

            - Exatamente – completou Clara. – A partir de então, fizemos de nossas diferenças um ponto em comum, e nos reunimos aqui.

            - Mas, afinal, o que vocês fazem aqui? – perguntou Laurinha, ainda sem entender muito bem.

            Cacá, tirando algo de trás de algumas moitas, respondeu:

            - Nós fazemos... – e, puxando um violão – Música!

            Laurinha arregalou os olhos. Logo, cada um dos membros tinha um instrumento musical em seu poder. Clara tinha uma flauta; Pedro, um trombone; Lúcia segurava um bongô e Cacá tocava o violão.

Ilustração: Tácia Soares


            - Que legal! – gritou a joaninha, feliz de verdade. – E qual vai ser meu instrumento?

            Cacá deu uma risadinha e disse:

            - Bem, por sorte eu guardo alguns instrumentos extras aqui. Vamos ver... Que tal... O teclado?

            - Isso! – respondeu Laurinha, batendo palmas com as patinhas.

            E todo mundo começou a tocar ao mesmo tempo, fazendo a maior algazarra, dando risada de felicidade. Após um tempo, no entanto, Cacá pôs ordem na coisa:

            - Calma, calma, pessoal, vamos organizar essa banda.

            E o corvo começou a ensinar os preceitos básicos de cada instrumento; aparentemente, ele era um grande musicista.

            No fim daquele dia, Laurinha voltou para casa em outro estado de espírito. No dia seguinte, ela foi à escola e não sofreu tanto, e assim foi se passando o tempo.

            Fazia talvez duas semanas que Laurinha estava na escola, quando a professora deu o recado de que haveria a festa da primavera, e que a escola procurava uma banda para tocar na festa. Laurinha logo teve um estalo. No final da aula, a joaninha foi conversar com a professora, mas ninguém ouviu o que ela disse.

            Chegou o dia da festa. Havia um palco montado no tronco cortado onde funcionava a escola, que estava enfeitada com folhas e flores, criando um clima de floresta na primavera.

            Então, quando todos os convidados haviam chegado, incluindo as famílias e amigos de fora da escola dos alunos, Madame Joana pegou o microfone e anunciou:

            - Senhoras e senhores, para dar início a nossa Festa da Primavera eu anuncio a banda Clube dos Amigos!

            No palco, surgiram todos os integrantes do Clube dos Amigos, cada um com seus respectivos instrumentos. E lá estava Laurinha, com seu teclado, tocando feliz da vida!

Ilustração: Guilherme Arruda


            Todos acharam a banda o máximo e unanimemente consideraram que seus integrantes tocavam muito bem seus instrumentos.

            Foram apresentadas algumas músicas, e então os músicos fizeram um intervalo para descansar. Assim que Laurinha desceu do palco, todos os seus companheiros de classe vieram cumprimentá-la por seu grande talento no teclado. E, naquele momento, Laurinha nem se lembrava de ser amarela, vermelha, verde, roxa...  

            E foi depois do fim da festa, já em sua casa, que a joaninha percebeu que, afinal, ninguém nunca tivera nenhum problema com sua cor. Apenas a achavam diferente; foi ela mesma que, desde o princípio, tomou aquilo como algo negativo. Mas não mais!

            A partir dessa reviravolta, Laurinha passou a adorar a escola. Seus colegas de classe, que antes não passavam disso, se tornaram seus grandes amigos. Quando chegou o período de férias, a joaninha sentiu aquela saudade gostosa; ainda bem que não deu tempo de se transformar em tristeza, pois Laurinha pôde então reencontrar sua amiga Helena, a borboleta, a qual mal vira durante a correria do ano letivo.

            Durante as férias, as amigas mataram a saudade uma da outra. Mas logo o tempo passou, e as aulas retornaram.

            Laurinha foi feliz para a escola. De início, houve todo aquele ritual de primeiro dia, amigos se reencontrando, classes desorganizadas, novos alunos perdidos. Um desses veio parar justamente na classe de Laurinha, um joaninho que se mudara para a região havia pouco tempo, e começava agora a frequentar as aulas. Ele era inteirinho preto, com bolinhas brancas...

            Laurinha não perdeu tempo. Sentou logo ao lado do menino e, antes que ele pudesse pensar em se sentir mal por ser diferente, a joaninha mostrou como, na verdade, o que nos faz diferentes são nossas atitudes, e de forma nenhuma isso é um problema.