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sábado, 25 de dezembro de 2010

Meu pai, uma vaca e um apartamento

 
Ilustração: Guilherme Arruda

 
Um dia meu pai teve uma idéia: comprar um apartamento, uma vaca, e colocar a vaca para morar no apartamento. Assim, todo dia de manhã, ele poderia tomar leite fresquinho!
Foi o que fez. Comprou o apartamento, de dois dormitórios, num condomínio chique. Depois, foi para o interior do estado, comprou uma bela vaca, grande, e trouxe para a cidade.
Por sorte, o elevador do prédio era espaçoso, a vaca coube lá direitinho. Ela deve ter achado diferente andar de elevador, no sítio não tem isso.
Chegando ao andar certo, meu pai levou a vaca para dentro do apartamento. Não havia nenhuma mobília, só a vaca.
Desde então, todo dia, meu pai ia lá, levava um pouco de alfafa para a vaca, e tomava seu leite fresco, quentinho.
A vaca passeava pelo apartamento, do quarto para a sala, da sala para o outro quarto... Havia um funcionário para fazer a faxina de vez em quando, tudo ia bem.
Quando meu pai saía de manhãzinha e encontrava algum conhecido, a conversa era assim:
- Opa, compadre, aonde está indo?
- Tomar leite da minha vaca.
- Da sua vaca?! Onde?
- No meu apartamento.
Meu pai seguia, feliz, seu caminho.
Um dia, porém, algo inesperado aconteceu. Apareceu um bezerrinho no apartamento. Meu pai levou o maior susto quando viu. Perguntou-se de onde teria surgido aquele bezerro. Então, olhando bem para a cara dele, percebeu que ele e a vaca eram iguaizinhos... E pareciam tão chegados um ao outro, que meu pai não teve dúvidas: era o filhote da vaca!
Sabe-se lá como conseguira chegar até o apartamento, usar o elevador, e tal. Mas ali estava.
Então, meu pai percebeu que a vaca sorria pelos olhos, feliz em ter seu bezerrinho de volta. O bezerro esfregava sua cabecinha na da mãe.
Naquele mesmo dia, meu pai pegou vaca e bezerro e partiu para o interior. Chegando lá, soltou-os no pasto verdinho. Ergueu uma casinha, quarto e cozinha.
Meu pai ainda toma seu leite fresquinho, toda manhã. Mas, agora, o leite sai mais doce.


quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Os cinco duendes


Ilustração: Tácia Soares


 Como ficava bonita a cidade na época do Natal! Todas as casas e estabelecimentos comerciais cheios de luzinhas, Papais Noéis, duendes e presentes. Era como estar em uma história de fantasia, ou um conto de fadas.
Um garoto andava pela rua, sem olhar para os lados. Para ele, tudo aquilo não significava nada. Sua família não comemorava o Natal, e desestimulava suas crianças a se envolverem com o espírito natalino que pairava sobre tudo. Então, o garoto Pérsio saiu para comprar pão e não aceitou a promoção da padaria na qual, levando mais um pãozinho, ganharia um gorro vermelho. Nem ajudou o Papai Noel da rua com uma moedinha para as crianças carentes receberem presentes. E também não respondeu ao grupo de jovens que passou tocando sinos e desejando “Feliz Natal” aos transeuntes.
Por isso, não é de se estranhar que Pérsio não desse atenção ao episódio acontecido. O caminho até sua casa era repleto de ruelas estreitas e escondidas pelas altas paredes de prédios de tijolinhos. Enquanto passava em uma dessas ruelas, alguma coisa caiu sobre cabeça do garoto.
“Ai!”
Ao procurar o que o atingira, Pérsio viu um pacote, todo embrulhado em papel vermelho, com um grande laço amarelo em cima. Pérsio se aproximou, pegou o pacote. Não teve tempo de pensar sobre o caso, pois de repente ouviu uma voz aguda:
“Hei! Psiu!”
Pérsio olhou na direção da voz, acima, e se surpreendeu ao ver cinco criaturinhas nos fios de eletricidade entre dois postes, com roupas coloridas em vermelho, verde, amarelo, laranja, e gorrinhos pontudos nas cabeças. O do meio falou:
“Ei, garoto! Poderia devolver-nos esse pacote? Por favor? Jogue aqui, jogue!”
E os outros secundaram:
“É, jogue, jogue! Vamos, jogue!”
Enquanto falavam, davam piruetas e pulavam nos fios, fazendo acrobacias.
Pérsio fez uma cara de estranhamento. Quem seriam aquelas pessoinhas?
“É... tudo bem!”
Pérsio lançou o pacote para cima, e as criaturinhas voavam em direção a ele, mas não conseguiam pegá-lo.
“Tente de novo! Tente!”
“Tente! Tente!”
Pérsio novamente lançou o pacote.
“Uiiii! Pega! Pega!”
E nada. Foram mais duas tentativas fracassadas. Então, mais uma vez Pérsio jogou o pacote para cima. Na ânsia de agarrarem-no, as criaturinhas se lançaram com tanta empolgação em sua direção, que ao tentarem segurar o fio na volta, puxaram-no com muita força, e o fio se rompeu, derrubando todos no chão.
“Ai...”
“Caramba!”
Pérsio permanecera quieto, observando aqueles cinco seres se levantarem, massageando as costas, os quadris e a cabeça.
“Foi uma bela queda!”
Conversavam entre eles.
“Também, esse moleque cabeçudo não consegue lançar um pacotezinho direito!”
“É uma mula”.
“Ai... ui... é, verdade!”
Suas vozes eram todas agudas e esquisitinhas:
“Caraaamba!”
“O quêêêê?”
“Caí em cima do pacote!”
“Ih, se deu mal”.
“O velho vai ficar bravo”.
“Vai nada! Desde quando ele fica bravo? Aliás, acho que nem amassou tanto, olha...”
Enquanto este último segurava um pacote desmilingüido, Pérsio resolveu ir embora, pois não era mais necessário ali. Saiu andando.
“Ei, garoto! Espere!”
“Hein?”
“Espere! Estamos brincando! Agradecemos sua ajuda. Inclusive indicaremos seu nome ao nosso velho. Ele lhe dará um presente caprichado no Natal”.
“Verdade, verdade”.
Mas Pérsio não entendera.
“Presente? No Natal? Não, não. Lá em casa não comemoramos o Natal. Obrigado. Até mais!”
“Caramba! Como assim?”
“Espere! Não vire as costas para cinco duendes assim, desse jeito!”
Pérsio se voltou:
“Duendes?”
“É claro!”
“Sim, sim”.
Sempre que um duende falava, os outros completavam com um comentário, ou com simples palavras de aprovação.
“Duendes, sim”.
“Duendes, como aqueles do Papai Noel?”, perguntou Pérsio, que, apesar de não comemorar o Natal, sabia muito sobre o assunto. Afinal, o Natal estava em toda parte.
“Sim, esses mesmos”.
“Nossa... e o que fazem aqui?”
“Pois é... aconteceu uma coisa... sabe como é, incidentes em cima da hora...”.
“É verdade. O Natal já está aí... Esta noite! Então, Papai Noel saiu do Pólo Norte, com seu grande trenó. De repente, percebeu que uma das renas estava doente, teria de ser substituída. Até aí tudo bem, né? Era só uma rena, e tal. Mas depois, outra rena machucou a pata, coitada, e caiu fora. Então, inacreditavelmente, todas as renas começaram a ter problemas!”
“Parecia até praga...”
“É, sim! Uma pegou catapora, a outra meteu o fuço em um balde de tinta e depois não conseguia abrir a boca, um guaxinim mordeu a orelha de outra... por aí foi! Uma loucura!”
“Loucura! Loucura!”
“Realmente. O velho falou: ‘Caramba! Os presentes!’ Nós concordamos: ‘Os presentes! Os presentes!’. As crianças não poderiam ficar sem os presentes, certo? Então, como já estava em cima da hora, Papai Noel disse: ‘Vamos, meus duendes! Vamos sair agora, andaremos de casa em casa, entregando os presentes. Preciso de sua ajuda!’. Entendeu, garoto? Eu e meus amigos fomos os encarregados desta cidade!”
“Sim! Somos Batu, Bazu, Bolota, Balão e Bituca. Uiiii!”
Os duendes começaram a cantar e pular. Pérsio estranhou os nomes, ainda mais Bolota e Balão, pois todos os duendes eram magros, não tendo mais de quarenta centímetros de altura.
“Bem... muito prazer. Sou Pérsio”.
“Pérsio! Pérsio!”
“Meu amigo Pérsio, não gostaria de nos ajudar ainda mais um pouco? Ajude-nos a entregar os presentes! Tememos não conseguirmos entregá-los sozinhos a tempo”.
Pérsio era um garoto muito bom. Não negaria ajuda a alguém necessitado.
“Pois bem!”
Os duendes gritaram: “Uiiii!”.
“Então, venha, venha!”
Os duendes agarraram a mão de Pérsio e o puxaram pelas ruelas, ruas, entre as casas. A cidade não era pequena, mas logo chegaram às últimas casas. Então, os duendes pararam em frente a uma casa tão pequenininha, que Pérsio não soube dizer se fora construída agora, ou se simplesmente nunca notara sua existência. Os duendes abriram a porta com uma minúscula chave dourada. Um sino tocou com o movimento da porta.
Ao entrar, Pérsio levou um susto. Aquela casinha estava repleta de presentes até o teto, cada um com uma cor e tamanho diferentes. O duende Bituca juntou o pacote amassado que trazia em mãos ao resto dos presentes.
“Pois é, garoto. Agora pode perceber: não é pouco trabalho. Comecemos agora mesmo! O endereço está nesta etiquetinha aqui. Obviamente, você não pode tocar a campainha e dizer: ‘Aqui está seu presente!’. Não! Deve ser secreto! Dê um jeito. Jogue pela janela, chaminé, portinhola do cachorro, que seja. Mas você não pode ser visto! Entendeu? Então, vamos!”
Cada duende pegou quantos presentes pôde segurar e saiu. Pérsio, meio confuso, agarrou cinco pacotes e começou sua jornada.
Ao longo do dia, os cinco duendes e Pérsio caminharam por toda a cidade. Foram bem-sucedidos. Ninguém notou sua presença. Sempre havia uma janela aberta. Os duendes eram ágeis, podiam subir pelo telhado e jogar os presentes pela chaminé.
Já era noite quando todos se encontraram por fim na casinha. Havia um grande e único pacote no centro da casa. Balão disse:
“Rapazes, esse presente foi o único não entregue. Cabia a mim fazê-lo. Porém, seu destino é uma casa impenetrável! Não há chaminé ou portinhola de cachorro. Mas eles têm um cachorro. Ah, sim! Um enorme, feroz, horrível. É impossível passar por ele. As janelas ficam fechadas. Não há fios pelos quais possamos alcançar o telhado. O que fazer?”
Pérsio olhou o endereço.
“É a casa do velho Cunha! Não gosta das pessoas, de ninguém. Seu neto mora com ele, e é proibido de sair, a não ser para a escola. É um velho muito ruim!”
“Com velho ou sem velho, o presente deve ser entregue!”
“Verdade, verdade!”
“Precisamos de um plano. Que horas são, Bazu?”
“Dez, dez, dez horas”.           
“Bem... o que fazer? Vejamos. O tal do velho tem um cachorro gigante, certo? O muro é muito alto?”
“Nem tanto”, respondeu Pérsio.
“Existe algum jeito de alcançarmos o telhado pelo muro?”
“Não, é muito longe”.
“Caramba!”
“Caramba, caramba!”
“Já sei. Pegamos uma lança, bem comprida. Amarramos um fio em sua ponta. Enquanto um duende segura a corda, outro arremessa a lança no quintal do velho. Depois, nós amarramos a outra ponta do fio em um poste, ou outra coisa, e temos uma passagem pelo ar – assim ficamos livres do cão – até a casa, onde daremos um jeito de enfiar o presente pela janela, ou de outro modo. O que acham?”
Como ninguém tinha idéia melhor, concordaram. O próximo trabalho era arranjar uma lança bem comprida e uma corda. Pérsio disse que poderia trazer a corda. Os duendes eram criaturas muito habilidosas, por isso conseguiram confeccionar rapidamente uma lança. Quando Pérsio chegou com a corda, logo amarraram-na à lança, e o artefato estava pronto.
Partiram para a casa do velho Cunha. Lá chegando, Bituca arremessou a lança, um tiro certeiro, próximo à porta. Amarraram a outra ponta da corda em um poste, e lá se foram os cinco duendes caminhando por sobre o fio, como equilibristas. Pérsio ficaria de guarda em cima do muro, no caso de algo dar errado. De fato, as coisas deram errado.
O velho Cunha não tinha o que fazer, por isso ficava vigiando tudo e todos. Assim, pareceu ver um vulto sobre seu muro, e saiu para verificar. Os duendes perceberam. Não sabiam se corriam para o telhado ou voltavam para o muro. O resultado foi que cada um fez uma coisa. Todos trombaram, caindo do fio. Por sorte o velho Cunha estava olhando a parte de trás da casa e não os viu. Porém, o cachorro estava já de prontidão embaixo do fio, com a boca aberta à disposição dos duendes. Mas os duendes caíram tão de repente e todos juntos, que esmagaram o cachorro.
Enquanto o bicho se recuperava, os cinco duendes correram em direção a casa. Nesse momento, o velho Cunha, não tendo encontrado nada, retornava. Os duendes corriam desesperados por todos os lados, temendo serem vistos.
“Caramba!”.
No desespero total, Bolota, quem segurava o presente, lançou-o para o alto. Já eram vinte minutos para a meia-noite. Pérsio, vendo aquilo, pulou do muro, pisou sem querer na barriga do cachorro e se jogou no chão atrás do presente. Evitou a queda. Mas o velho Cunha chegava. Foi então que os duendes tiveram uma brilhante idéia. Ligaram a mangueira e lançaram um jato de água na cara do velho, que não soube dizer, depois, de onde, ou de quem viera o ataque. Pérsio aproveitou a chance. Levantou-se, entrou rapidamente na casa, e depositou o presente bem embaixo da árvore de Natal. Depois, saiu correndo, pulou o muro e chamou pelos duendes. Os duendes estavam gostando da brincadeira, mas assim que puderam, subiram pela lança e caminharam no fio de volta para o muro. O velho Cunha se estatelou todo molhado no chão, ao lado de seu cachorro esmagado.
O grupo correu de volta para a casinha.
“Garoto, você foi de grande ajuda. Graças a você, aquele menino, neto do velho, terá seu presente de Natal. E bem em tempo! Vejam! É meia-noite. Hora de partirmos de volta para o Pólo Norte. Foi um prazer trabalharmos juntos, Pérsio. E, é claro: Feliz Natal!”
“Feliz Natal! Feliz Natal!”, repetiram todos juntos. Então, subiram em um trenó improvisado com burrinhos, e partiram, cantando e gritando aos ares “Feliz Natal”. Pérsio saiu da casinha. Começou o caminho de volta para sua casa. Com certeza estariam todos dormindo.
Conforme ia passando pelas ruas, via no interior das casas as pessoas felizes, comemorando o Natal, com muita comida. As árvores de Natal enfeitadas na sala, repletas de presentes embaixo. Pérsio passou, inclusive, pela casa do velho Cunha, e notou uma luzinha acesa na sala: era o neto do Senhor Cunha, que descobria naquele momento seu presente de Natal.
Finalmente, Pérsio chegou em casa. As luzes estavam apagadas. O garoto entrou, foi andando pelo corredor apalpando as paredes para não trombar com nada. Subiu as escadas em direção a seu quarto. Conseguiu alcançar a porta sem levar um tombo no escuro. Entrou no quarto e fechou a porta. Só então acendeu a luz. Levou um susto.
Sobre sua cama estava um grande presente, embrulhado em vermelho com enorme laço verde. Pérsio aproximou-se hesitante, pasmo com a surpresa. Viu um pequeno cartãozinho pendurado no presente. Abriu-o. Estava escrita a seguinte mensagem:

“Caro Pérsio,
Sua ajuda foi fundamental para que todas as crianças recebessem seus presentes em tempo neste Natal! Alguns de meus duendes já chegaram de seus serviços, e me contaram todas as suas aventuras. Eles mesmos me pediram, e de qualquer forma eu não poderia agir de modo diferente: receba este presente como forma de agradecimento! E que você viva, a partir de hoje, por todos os anos, o espírito de Natal.

Feliz Natal!
P. N.”

E assim foi.

Ilustração: Guilherme Arruda