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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A árvore Luzia                                 
The Luccia Tree           

Ilustração: Guilherme Arruda
 

São poucas as pessoas que acreditam, quase ninguém já os viu. Mas a verdade é: os gnomos existem, e estão mais perto do que se imagina.
Há muitas terras de gnomos espalhadas por aí. Porém, bem no meio de uma floresta muito grande, está uma das mais bonitas terras de gnomos de todo o mundo. Para chegar lá, deve-se escalar algumas colinas, passar por muitos vales, até que todas as árvores ao redor, antes das mais variadas espécies, sejam então pinheiros. Pinheiros enormes. Suas copas começam à altura de dez metros do chão, e terminam a muitos e muitos metros acima.
Aos poucos, no alto, vão aparecendo pequenas casas construídas ao redor dos troncos dos pinheiros. Casinhas coloridas. Vermelhas com telhados amarelos, mostardas com telhados creme, azuis, verdes. São realmente muito bonitas. Os gnomos sobem até elas por escadinhas que vão lá de cima até o chão. Os caminhos entre as árvores são bem delineados, pois os gnomos varrem as folhas para as margens todos os dias.
Conforme adentra-se mais na terra dos gnomos, chega-se a uma grande clareira, cujo centro está ocupado por uma linda árvore. Não chega a ser de tamanho absurdo. É uma árvore normal, de tronco castanho claro. O impressionante, porém, são suas folhas. A parte de baixo é laranja, um laranja luminoso, que emite um brilho encantador. À noite, a árvore ilumina toda a clareira com sua luz maravilhosa, e deixa todas as pessoas felizes e encantadas com sua magia. Entre os gnomos, ela é chamada de Árvore Luzia. Dizem ser ela realmente mágica, e nos momentos de dificuldade todos os gnomos vão até a Árvore Luzia fazer suas preces. Dizem também ser graças à Árvore Luzia que a terra dos gnomos é abençoada, não tem miséria, não tem fome; é só felicidade, fartura e alegria.
Era um belo dia de novembro. Kaliz, um gnomo de barbas compridas e cabelos negros, com seu chapéu vermelho pontudo, estava na clareira, cercado de gnomos mais jovens, cada um com um chapéu pontudo de cor diferente. Os gnomos são criaturinhas pouco maiores que os anões. Geralmente têm longas barbas, ao menos quando mais velhos. Todos se vestem com roupas coloridas e chapéus, um cinto, e botinhas.
Nesse dia, Kaliz estava distribuindo as tarefas que os jovens gnomos deveriam executar. Pois na comunidade dos gnomos, não há rei ou presidente. Cada um é encarregado de uma função e, para o bem de toda a população dos gnomos, deveria realizá-las a contento. Não eram funções muito chatas: colher frutas, varrer folhas, plantar batatas, entre outras. E geralmente os gnomos eram muito responsáveis, terminando tudo antes do fim do dia.
Kaliz, em meio ao burburinho, foi entregando folhinhas verdes, nas quais estavam gravados os trabalhos de cada um. O gnomo chamava-nos pelos nomes:
– Hafel! Vesto! Zúlia! Menela!
Os jovens se aproximavam, pegavam sua folhinha, e logo partiam para seus afazeres.
Um dos últimos nomes chamados por Kaliz foi o de Surim.
– Surim!
De lá do fundo veio um gnomo de cabelos claros, sem barba por ser ainda muito jovem. Trazia na cabeça um chapéu amarelo. O rapaz pegou a folha oferecida. Deveria limpar a clareira e cuidar da Árvore Luzia.  Soltou um muxoxo de descontentamento. Kaliz percebeu-o:
– Caro rapaz, qual o motivo de tanto desgosto?
Surim sentiu-se um pouco envergonhado, desconversou:
– Nada, Senhor Kaliz. Vou já começar meus afazeres.
Afastou-se. Foi buscar os apetrechos de trabalho. Enquanto o fazia, Surim resmungava com si mesmo:
– Mas que coisa! Não sei por que esse trabalho não pode ser voluntário! Não estou com a menor vontade de ficar varrendo uma clareira cheia de folhas para depois um bando de gnomos folgados irem lá e encontrarem tudo limpinho, à disposição. Por que não vão eles lá fazer o serviço sujo? Que perda de tempo!
Por aí continuou. Tamanha sua má vontade, o garoto agarrou a primeira oportunidade que teve de fugir ao serviço. Alegou estarem os equipamentos de limpeza enferrujados, e o regador furado. Disse que iria providenciar novos, mas na verdade foi para casa e ficou o dia inteiro olhando para o teto. Então, a noite chegou. Como não se pode trabalhar à noite, o serviço ficou para o dia seguinte.
No dia seguinte, porém, Surim amanheceu misteriosamente doente, com uma doença que nunca ninguém teve. Sua mãe ficou preocupada. Dois minutos depois de ela sair, Surim levantou-se de sua cama e curtiu mais um dia sem trabalho.
Mais um dia depois, Surim não conseguiu, simplesmente, encontrar os equipamentos de limpeza. Alguém deveria tê-los roubado! Folgou de novo.
Assim foi, cada dia uma desculpa diferente. Surim ficou mais de um mês postergando sua responsabilidade. Nesse meio tempo, a clareira começou a ficar cheia de folhas secas, dificultando o movimento dos gnomos. Mais preocupante, a Árvore Luzia foi secando aos poucos, imperceptivelmente. As folhas caíam além do costume, os galhos mirravam.
Foi então que coisas muito ruins começaram a acontecer na terra dos gnomos. Eram tempos de seca. Um dia, parou de correr água no leito do rio. Os pinheiros secavam, e as casas construídas ao redor de seus troncos apodreciam, desalojando os gnomos. As frutas não nasciam, as crianças não comiam. Animais estranhos, que antes nunca tiveram a audácia de adentrar a terra dos gnomos, surgiram e agora aterrorizavam os habitantes. Deu-se adeus à vida tranqüila.
Os gnomos perguntavam-se qual seria o motivo de tantas desgraças acometerem-nos. No entanto, até então, Surim não dera atenção aos dissabores da comunidade. Ficava todo o dia em sua casa, curtindo sua preguiça. Certa ocasião acordou com fome, e imediatamente voou para a cozinha. Não havia nada. Gritou por sua mãe, que logo apareceu e explicou: não havia comida em toda a terra, e em pouco tempo também não haveria água.
Ah, o garoto se revoltou! Como poderia ser? Ele estava com fome! Que tratassem de arranjar alguma coisa! Sua mãe explicava: não era possível, em todo o território dos gnomos não havia uma maçã sequer! Mas foi enquanto ela saía, pronunciando sua última frase, que o menino se deu conta:
– Tenha calma, Surim. Tenho esperanças de passarem rapidamente estes tempos difíceis. Saio, agora. Vou fazer minhas preces sob a Árvore Luzia. Talvez ela nos ajude. Se bem que, atualmente, até nossa querida árvore está à beira da morte. Não brilha mais, sua folhagem está rala...
Alguma coisa estalou em Surim. A árvore! De repente ele percebeu. Era possível ser de sua responsabilidade todas as desgraças que estavam acontecendo? O garoto entrou em desespero. Tinha que remediar aquilo! Como fora tolo em não cumprir com seus deveres. Agora toda sua terra pagava por isso.
Mas, e agora? Como encontrar água para regar a árvore? Como encontrar forças para varrer a clareira? Tudo estava um caos.
Surim saiu, também em direção à clareira. Se tivesse chegado lá, encontraria muitos gnomos pedindo à árvore por um milagre que os salvasse. Mas sua consternação era tal que Surim se perdeu nos labirintos dos pinheiros, e só conseguiu alcançar a clareira ao cair da noite. Os gnomos já haviam partido, e Surim, sozinho, caiu de joelhos sob a árvore. Percebeu como fora irresponsável, e agora se arrependia. Começou a chorar. Suas lágrimas, rolando pelo seu rosto, foram cair nas raízes da árvore. Como se batesse um vento, as folhas da árvore agitaram-se. Uma brisa se espalhou pela clareira, e por toda a terra dos gnomos. A árvore emitiu um brilho laranja forte, que iluminou tudo ao redor, até o céu e as nuvens.
Então, aos poucos, do céu tingido de laranja, começou a cair uma chuva fina, constante. Refrescou o rosto dos gnomos, que olhavam maravilhados para o alto. A chuva caiu sobre toda a terra dos gnomos, molhando o solo, as árvores, enchendo o leito do rio; eram pequenas estrelas vindas do céu, luzinhas de um lindo brilho. Um brilho laranja.